Por ocasião do evento comemorativo dos 20 anos da REDARTE/RJ, as fundadoras da Rede foram lembradas e homenageadas. Márcia Cláudia Figueiredo e Vera Medina deixaram uma singela mensagem, que segue abaixo:
“Meu nome é Márcia Cláudia Figueiredo e a REDARTE me confiou a difícil tarefa de homenagear Solange Zúñiga, sua idealizadora. Que responsabilidade!!!
Pensei bastante e concluí que a maior homenagem é estarmos hoje aqui reunidos, vinte anos depois, graças ao idealismo de Solange e de Helena Ferrez. Uma Rede tão forte em um país onde arte e cultura não dão ibope.
No dia 07 de novembro de 2014 no Museu de Astronomia – MAST, na cidade do Rio de Janeiro, a REDARTE organizou e realizou seu VI Ciclo de Palestras. O evento foi intitulado “Preservação de Acervos: Uma homenagem a Solange Zúñiga”.
Quem como eu, teve o privilégio de participar, sabe que foi uma tarde muito deliciosa e especialmente reservada para falarmos e relembrarmos Solange. O auditório, além dos palestrantes convidados, foi tomado por diversos amigos, familiares, colegas de trabalho, alunos e ex-funcionários que, de alguma forma tiveram o a felicidade de conviver com ela. Aprender com ela.
Pude perceber então, que Solange era uma pessoa “DESENCADEADORA”. Ou suas ideias e ações desencadeavam outras, a REDARTE – 20 ANOS é a prova concreta, ou ela simplesmente abria cadeados, portas, porteiras, janelas, trancas e liberava o caminho e o caminhar de todos.
Optei então por contar um causo ocorrido comigo.
Certa vez, eu e Lídia, uma colega bibliotecária da Fundação Nacional de Arte – FUNARTE, resolvemos prestar uma homenagem à atriz Fernanda Montenegro pelos seus 50 anos de carreira artística. Montamos um pequena exposição dia 28 de junho de 1995, com alguns objetos do acervo doados pela própria atriz e a intitulei “Meio Século de Palco”.
O espaço escolhido, claro, foi a biblioteca. Solange, que nessa época era Diretora do Departamento de Pesquisa e Documentação (1992-1997) da FUNARTE, agradeceu nossa iniciativa formalmente, pois a mesma foi um sucesso e nos convidou para levar a exposição, agora ampliada, para a Bienal do Livro de 1995. Na abertura da exposição a atriz finalmente lançou seu livro “Viagem ao outro: sobre a arte do ator” e que havia ficado encaixotado durante o governo Collor (ao extinguir as fundações culturais. Solange nos chamou, chamou Fernandona (aqui eu obviamente já estava íntima) e humildemente disse à ela que toda ideia, criação e concepção da exposição que ali estava havia sido nossa, minha e da Lídia.
Guardo com carinho o livro autografado e minha primeira foto com a “Diva” (nós duas nos nossos melhores ângulos).
Assim era Solange.
Ao final do evento no Museu li um pequeno texto que escrevi para a ela e como homenagem, agora o releio para vocês.
A gentileza em forma de gente.
Com um falar meigo e tão doce que, qualquer bronca que ela desse, mais nos parecia um acalanto.
Solange documentalista.
Salvou fotos e documentos.
Preservou gente e momentos.
Criou cursos e institutos.
Semeou frutos.
Arquivista, museóloga e bibliotecária em um único ser.
Um notório saber.
Solange conservadora, mas no melhor sentido da expressão.
Um vulcão em eterna erupção.
Solange visionária.
Nos presenteou com a REDARTE e lá se vão vinte anos de trama.
Nos encantou com sua paciência e sabedoria. Soube transmiti-las.
Solange filha, esposa, mãe, irmã, avó e amiga.
Mestre e doutora com especialização em cultivar e preservar amigos para sempre.”
(Márcia Cláudia Figueiredo)
“Dentro das comemorações dos 20 anos de existência da Redarte é necessário destacar, além de Solange Zúñiga, também a figura de Helena Dodd Ferrez. Ambas foram as fundadoras da REDARTE, em 1995. Formaram, por assim dizer, A DUPLA DINÂMICA. Uma idealizou, a outra colocou em prática.
Helena foi a primeira coordenadora da rede, de dezembro de 1995 a dezembro de 2001.
Durante 6 anos inteiros exerceu essa tarefa, com muita responsabilidade e atuação constantes. Uma verdadeira formiga discreta, como é até hoje.
Durante esse tempo, em que a rede não tinha existência formal, contamos com a participação, o estímulo, as broncas, a generosidade, a militância mesmo, desta figura que era praticamente sinônimo de Redarte.
Firme como o aço, delicada como a seda, agregadora, em todos os lugares por onde passou se pôde verificar o ela trabalha bem em equipe, qualidade plena e diariamente constatada quando se trabalha com ela.
Graças a suas dicas, sua insistência sobre determinados temas, sua grandeza em olhar sempre o conjunto, sem cair na tentação da rotina, pudemos ter um olhar objetivo para os verdadeiros interesses daquele conjunto de profissionais.
OBJETIVIDADE é uma palavra chave para compreender como Helena funciona. Graças a isso, seu tempo sempre foi usado de modo a obter o melhor custo-benefício possível. Ao mesmo tempo é uma pessoa emotiva, cujo coração é possível tocar rapidamente.
Nesses 6 primeiros anos, Helena não só franqueou as instalações do Centro de Documentação (CEDOC) da FUNARTE, que coordenava, para as reuniões, como liderou os nossos encontros e estabeleceu contatos com as instituições interessadas. Além de criar a reunião festiva anual, sempre em dezembro.
Podemos destacar nesse período sua participação, em março de 2000, na 28ª conferência da ARLIS/NA (Art Libraries Society), entidade norte-americana de bibliotecas de arte. No evento, realizado em Pittsburg, Pensilvannia, ela apresentou o texto Uma experiência em rede de bibliotecas de arte, sobre a experiência da REDARTE nos seus primeiros 4 anos.
Seu percurso profissional, a partir de uma graduação em História, na PUC, em 1970, fala em primeiro lugar sobre sua vocação para lidar com documentos e depois sobre sua persistência em busca de aprimoramento, seu olhar abrangente sobre o que significa documentação e sua intersecção com as novas tecnologias.
Sua trajetória mostra a naturalidade com que se deu essa migração.
Já em 1976, cinco anos após sua graduação em História, trabalhando no Serviço de Documentação da Marinha, fez o curso de Especialização Em Documentação Científica no IBICT.
Do Arquivo da Marinha Helena passou para a Casa de Rui Barbosa, em cujo arquivo permaneceu 4 anos. Lá reorganizou o Arquivo de Rui Barbosa e elaborou um alentado inventário analítico, publicado em 4 volumes.
Em 1981, enquanto trabalhava na Fundação Casa de Rui Barbosa, obteve o título de Mestre em Ciência da Informação pelo IBICT, com uma dissertação sobre Análise da literatura periódica brasileira na área de História.
Em 1983 foi para o Museu Histórico Nacional, onde ficou quase 8 anos, no Departamento de Acervo. Sua experiência no MHN teve um fruto muito concreto na publicação do Thesaurus para acervos museológicos. 1. ed., elaborado junto com a saudosa museóloga Maria Helena Bianchini.
Seu arcabouço cultural, cujas bases se fundam em sua história de vida e currículos, visível e invisível, aparece pleno nesse trabalho de fôlego, atualmente em vias de atualização. Esse tesauro é uma das preciosidades da jornada profissional de Helena, foi até clonado…
Nos anos de 1991 e 1992 esteve no Museu Nacional de Belas Artes, onde coordenou o SIMBA – Sistema de Automação do Museu de Belas Artes. Esse projeto de automação do acervo do MNBA envolveu, também, a compilação de manual de catalogação de pinturas, esculturas, desenhos e gravuras. Este programa é distribuído gratuitamente e utilizado por vários museus do País.
A partir de 1992, até 2008, Helena coordenou o CEDOC (Centro de Documentação) da FUNARTE, onde desenvolveu, sempre em equipe, inúmeros projetos, entre eles o Projeto Memória das Artes, entre 2000 e 2006.
Mais uma vez a dupla formação (em História e Documentação) aparece como o pano de fundo de atividades, exercidas com pleno domínio, que envolvem acervo bibliográfico, documentação arquivística, acervo audiovisual.
Em cerca de 16 anos, muitos deles em dobradinha com Solange Zúñiga, Helena exerceu sua doce e forte liderança, tirando leite de pedra, recorrendo às leis de incentivo cultural, órgãos de fomento, e ao diálogo. Graças a isso durante anos ela conseguiu da direção da FUNARTE verba para compras nas Bienais do Livro do Rio e de São Paulo.
Conseguiu transformar o acanhado local da chamada Biblioteca da FUNARTE, na Rua São José, num importantíssimo espaço de pesquisa para brasileiros e estrangeiros.
Sem contar o fato de que pegou um verdadeiro rabo de foguete ao assumir o Centro de Documentação da FUNARTE que juntava naquele momento os acervos da FUNARTE, da FUNDACEN e da FUNDAÇÃO DO CINEMA BRASILEIRO. Isso incluía acervos de artes plásticas, artes cênicas, artes visuais, música e cinema brasileiro num mesmo pequeno e desconfortável prédio.
Helena representa, para mim, o melhor exemplo de profissional de documentação, não necessariamente um bibliotecário, que me desculpem os puristas e os corporativistas.
É a pessoa que consegue ver o significado mais amplo do conceito de DOCUMENTAÇÃO, a partir de uma formação humanista, e que agrega, ao longo da vida profissional, todos os recursos acadêmicos e tecnológicos disponíveis para melhor executar aquilo que compreende como tarefas do documentalista.
A eficiência do trabalho interdisciplinar, sempre defendido por ela, fica para mim suficientemente provada quando se recorda a convivência de dezenas de profissionais de biblioteconomia com colegas da FUNARTE como Helena, Solange e Márcia Cláudia, aqui presente.
Concluindo quero lembrar que as fundadoras da Redarte, uma rede de bibliotecas e centros de informação em arte, não eram bibliotecárias… Mas Solange Zúñiga era e Helena Ferrez é, uma documentalista por excelência, para quem peço nossos aplausos.
(Vera Medina Coeli)
13/10/2015